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"Estamos nas cabeças de três personagens. São três filhos, mas são menos filhos que irmãos e são menos irmãos que pessoas e são um completo abandono, mas ainda não sabem. Na aridez de fato e naquela identitária, ouvimos o que nos contam Mosquito, Rita e Mirna. Em comum, a mesma mãe bêbada, castigada e louca que tem como descanso o amor do pai dos seus filhos que lhe ampara com o perdão eterno diante dos vexames ou dos escapismos como reação à brutalidade do nada que é a vida naquela esquina apagada do mundo. A leitura é rápida, menos pelo conciso número de páginas, mas pelo ritmo que me faz pensar numa corrida ladeira abaixo, sem freio, até uma queda ou até a cara bat...
Haikai conta a história de uma aspirante poetisa que se muda para a cidade de São Francisco Xavier, na Serra da Mantiqueira, na busca por uma vida mais próxima da natureza, onde possa se inspirar para compor seus poemas. Para manter-se vai morar e trabalhar na fazenda do senhor Murakami, um produtor de cogumelos, que vive com o filho de 8 anos, cuja mãe, Sayuri, ceramista, nascida e criada no Japão, em Kyoto, encontra-se internada em uma casa de repouso. Dividido em 4 partes: primavera, verão, outono, inverno, o livro vai, aos poucos, descortinando a história da vida de Sayuri. Do nascimento em 1976, até seus 21 anos, quando vem para o Brasil, prometida como noiva de Murakami. Como p...
O processo de gestação que, por conseguinte é o de criação, é a que se dedica a trama. A voz que narra, a fala, o dom que nos distingue das bestas. Não obstante um fluxo incontido, uma loquacidade voraz que, ao invés de verter sentido, causa o caos. Parece não haver racionalidade, somente o instinto. Portanto tudo é mobilizado por um mecanismo primitivo. "Não tente me tornar menos animalesca", repreende a narradora. O Verbo é um impulso natural. Continuamos todos feras, não evoluímos. Somos prole de "uma simples partenogênese". Os símios nos rodeiam e nos escudamos com a lógica e a razão, enquanto escorre pelos trilhos das costelas um suor "tão escuro e fétido quanto à urina". Temos de invejá-los, incita a puta, a voz reinante nesse curso paginado, "seus sexos à mostra, a facilidade como fodem e parem sem prestar contas a ninguém". Afinal, existimos ao pagamento de nossas necessidades fisiológicas, da parturição. "O prazer e a dor são frutos do mesmo escarro". A puta expulsa seus fetos pela glote, vocábulos encarnados que exibem minúsculos rins, pulmões, genitálias úmidas e intumescidas.
Às vezes é possível escrever sobre uma história que se passa ao longo de muitos anos, mas é impossível apreender o que acontece no intervalo de um minuto. Essa passagem de tempo brevíssima, mas infinita, é a duração, ou o fenômeno de captura da multiplicidade de acontecimentos, ideias e sentimentos que habitam cada segundo. "A união das Coreias", de Luiz Gustavo Medeiros, é um romance de duração, em que o leitor acompanha – pelos detalhes, pelas digressões e pelo subtexto – os meandros mentais de um personagem e seus paradoxos, ao longo de apenas algumas horas. Mas é como se fossem anos, dada a densidade e as projeções na direção do passado, da realidade política ur...
Depois Será Tarde adverte: a morte está aí nos seus calcanhares. Nestes 15 contos perturbadores, Luciana Annunziata capta o instante em que a vida cotidiana, acossada pela entropia implacável, descamba pelas pirambeiras da Ceifadora. "A vida é sempre um processo de demolição, mas os golpes que fazem a parte dramática do trabalho não mostram de imediato todo efeito. Há um tipo de golpe que vem de dentro, e não o sentimos até ser tarde demais: sua percepção vem de um momento para o outro", falou, mais ou menos assim, Scott Fitzgerald. É o golpe pressentido em "A estação das moscas", em que a narradora, abandonada aos poucos pelo marido, que prefere a companhia de literatura ru...
Desnovelo é um livro que pergunta. Por que esconder de uma filha as suas origens? Por que privar uma criança das suas verdades, das histórias que a antecederam, que fazem dela quem ela é? E se tivesse sido de outro jeito? Questiona-se Renata, a narradora protagonista, logo nas primeiras páginas. É também no início que ela nos diz que, como um relógio, sente que está dando voltas e "passando pelos mesmos lugares tantas e tantas vezes." Assim, temos duas marcas da jornada transformadora contada aqui. A primeira é ser uma história que se move pelas interrogações, perguntas que se repetem, mas nunca são as mesmas: elas se aprofundam à medida que o enredo caminha. A outra é trata...
"Tem tanta coisa na vida que é um quase". Frase de um dos contos de Zaranza, e que também poderia servir para sintetizar o próprio livro. Nestes contos de amores impossíveis, de solidão e de desencontros, tanto seus personagens quanto as coisas ao seu redor estão em permanente estado de "quase". Os relacionamentos quase dão certo, as coisas são quase dramáticas, quase triviais. Apesar das dores, não há drama nessa linguagem que é, ao mesmo tempo, infantil e ferina, de tão lúcida. O leitor sente vontade de rir de certo desajeito constante, mas também percebe uma lágrima quase caindo, de tanto que as pequenas trivialidades parecem se cercar de melancolia. Instruções para mata...
Entre a aula de flauta da filha e a hora do judô online do filho, uma nova experiência de maternidade. Nova, também, a imagem do marido que parecia ótimo em doses homeopáticas, e tudo menos ótimo naqueles dias que duravam muito mais que 24 horas. Para alguns, a delícia de se trancar em casa sem culpa, com alvará permanente liberando dos almoços na casa da tia. Para outros, a tristeza dos bares fechados, a cerveja solitária maratonando séries enquanto a vida e o sexo seguiam congelados. Com personagens que lembram o vizinho ou o amigo íntimo, em cenas que podem ter acontecido dentro de nossas casas, Flávia Braz faz da crônica um ofício literário, transformando em ótima ficç�...
Viver é um milagre. Morrer é o natural, o destino de todos, afinal. É nessa lógica que operam as personagens das dezoito histórias desta fascinante seleta: todas em um território fantasma (e independentemente da idade fisiológica), entre a infância e a vida adulta. Crianças que lutam para atravessar o cinismo dos mais velhos, e estes últimos, por fim, em uma batalha para recuperar alguma inocência. É a clássica contenda para escapar da primeira queda: uma criatura adulta é sempre borrada, alguém que perdeu completamente a clarividência e a espontaneidade. E Michelli Provensi transforma este desenraizamento numa experiência de linguagem própria e certeira. Estamos também de...
Romance vencedor do Prêmio Machado de Assis da Bibliteca Nacional (2021) - Melhor romance publicado no Brasil em 2020 Este novo romance de Menalton Braff, revela um Brasil profundo, obscuro, esquecido, ignorado pelos viventes das grandes cidades, cuja trepidação fremente invade os noticiários televisivos, que sobrevivem de tragédias e sangue. O espaço onde se desenrola o enredo é o Vale do Rio dos Sinos, lugar em que se dá o embate morro x várzea, cerne dos conflitos dessa narrativa prenhe de infortúnios silenciosos, não menos trágicos, todavia, do que aqueles que estampam as primeiras páginas dos jornais. A luta inglória dos solitários habitantes do morro infértil, cravado d...